Um almoço com Ana Lúcia

 


Naturalmente o nosso prezado leitor já conhece Ana Lúcia.

-Não?

-Farei uma breve apresentação pela natureza desta operação, sigilosa e confidencial, posto tratar-se da vida pessoal de outrem.

Ana Lúcia, professora universitária de “A Linguagem na Filosofia” e Cabelereira, dona de um salão de beleza, nas redondezas de seu bairro, muito bem conceituado e, na verdade, a ocupação preferencial de Ana Lúcia.

Jovem senhora, mãe de duas filhas, extremamente bem cuidada, mantendo o viço da juventude em seu corpo bem torneado, com curvas, reentrâncias e saliências admiráveis. Atualmente separada.

Sempre acompanhada de sua amiga dileta Nhazinha, vizinha de rua, 2 casas, de separação, também mãe de 2 filhas, e casada com Ariovaldo, que trabalha em empresas de segurança armada.

-Assim, esta é, em resumo, a apresentação de Ana Lúcia, que o leitor agora já conhece.

Entretanto alguns detalhes são importantes. É extremamente inteligente e, talvez em função disto, um pouco confusa e impaciente.

Para termos juntos uma ideia poderia discutir horas a fio, em seu salão de beleza, com um cliente ou uma cliente, sobre a natureza diferencial do pensamento de Sócrates, resumido por “Conhece te a ti mesmo”, com o de Aristóteles/Descartes, aqui representado pela máxima “Cogito, ergo sum”, latim, que seria em português “Penso, logo existo”.

Nesta discussão hipotética que examinamos como expectadores exploraria diversos aspectos práticos da vida cotidiana, tais como procure alcançar a excelência naquilo que fazes, Sócrates: “conhece te a ti mesmo”, como consequência.

Nesta linha, voltando de ônibus para casa depois de um dia de trabalho intenso e cansativo, o senhor poderia pensar, para que estou fazendo isto, estaria jogando fora a melhor parte da minha vida?

“Cogito, Ergo sum”, “Penso, logo existo”, indicaria claramente um caminho para a mudança desta situação insatisfatória, lembrando ai Aristóteles/Descartes.

Mas, Karl Marx, um outro filosofo, este já mais moderno, mas não contemporâneo, termo importante, pois devemos nos situar sempre, no instante em que o filosofo arquitetou aquela teoria ou explicação.

- Seria natural nos questionarmos o que isto tem a ver com história.

- Respondo, absolutamente nada, mas pode se tornar de suma importância ao final dela, quem poderia afirmar algo, agora?

Bem, isto dito, vamos ao cerne da questão.

Domingo. Almoço na casa de Ana Lúcia, Nhazinha, Ariovaldo e meninas convidados, bem como, por insistência de Nhazinha, um certo pretendente de quem Ana Lúcia fugia em toda e qualquer oportunidade.

Senhor já vivido, estabelecido boa situação financeira, bonito, bem cuidado.

É servido o almoço, logo após alguns drinks que Ana Lúcia preparou muito a contragosto, também por insistência de Nhazinha, a quem tinha grande admiração e consideração.

Nada demais, um drink com Martini e sucos de diversas frutas. Gostoso até.

O Almoço completo, tinha como entrada uma salada de camarões frescos, ervas, e presunto de Parma. O prato principal; o famosíssimo pato com laranja, uma obra de arte por assim dizer, e a sobremesa magnifica, um camafeu de nozes.

Tudo acompanhado de um bom vinho escolhido por um sommelier amigo e cliente de Ana Lúcia, do salão de beleza, com suaves toques amadeirados e pouco frutado.

Tudo transcorria bem, as meninas de Ana Lúcia, eram extremamente bem educadas e sabiam se comportar nestes eventos, enquanto às de Nhazinha, às vezes tinham que ser chamadas ao “seu devido lugar”, por um olhar simultâneo de Ana Lúcia e Nhazinha.

Todos muito felizes e alegres, talvez ajudados pelo vinho e pela boa companhia, quando, não mais que um infinitesimal milissegundo, o pretendente de Ana Lúcia cai desmaiado em convulsões, ao chão.

Todos imediatamente perdem a calma, chama a ambulância, o SAMU, liga para o Dr. Roberto, faz alguma coisa, eram frases que podiam ser distinguidas ao meio de tantas outras,

O pretendente se levanta e diz;

- Sou alérgico a nozes. Tinha nozes nestas preparações?

Pânico... pânico total!!!!

- E se ocorrer um choque “anafleumático”?  Pergunta Nhazinha.

Imediatamente corrigida por Ana Lúcia: - “Anafilático”, que é quando....

- Pode deixar Ana, depois me explica, precisamos fazer alguma coisa.

Ao que, estranhamente, calma, responde, Ana Lúcia: - Ariovaldo, seu carro está ai?

- Sim. Responde solicito Ariovaldo.

- Vá pegá-lo por favor e vamos levá-lo ao posto de atendimento de urgência?

- Basta a aplicação de um antialérgico, responde Ariovaldo, que tinha noções de primeiros socorros.

- Não! Grita, totalmente sem voz, o pretendente, vamos para a casa do Jose do Pinho

- Jose do Pinho? Pergunta Ana Lúcia, já quase tendo um ataque histérico-filosófico.

- Sim, reponde com menos voz ainda o pretendente, por favor!

- Mediante uma pequena contribuição, já que mantenho as minhas em dia, o José do Pinho, seguidor de Karl Marx me dará um remédio de ervas, que estuda de antigos pergaminhos, que certamente resolverá a questão.

-Absolutamente!  Grita a pleno pulmões Ana Lúcia.

- A B S O L U T A M E N T E!!! Enfática, repete Ana Lúcia.

- O senhor tem ideia que Marx com estas ideias de Ideologia, Burguesia e Proletariado, Luta de Classes entre outras, ensaiou um método de ensino de uma educação integral, no sentido de acadêmica, profissionalizante e física? O que, ainda bem, não foi adotado, mas daí esses seguidores de filósofos sabem tudo e tudo sabem, prometem tudo, pois tudo estudam até na derradeira hora!

- Isto sem contar que os próprios filósofos tinham dúvidas de suas teorias.

- Ah, meu Deus!

- Sabia? Já gritando, descontrolada, Ana Lúcia.

Todos sem ação, esperavam uma conclusão, pois ali estava o fato, como diria Sócrates, à frente, na realidade mais ao nível inferior, no chão.

- Completo, disse Ana Lúcia, pregava a liberdade do homem e a igualdade entre eles fazendo com que a burguesia também conhecesse os meios de produção e nele trabalhassem, assim como o proletariado criaria ideologias para a sociedade. O Caos, em outras palavras, evitado a tempo.

- Eu quero ir para o Jose de Pinho, disse o pretendente já com sintomas do tal choque.

- Vamos colocá-lo no carro e decidimos no caminho.

- Meninas, vocês ficam aqui, tomando conta de tudo enquanto Nhazinha, Ariovaldo e eu vamos, e no caminho decidimos o que fazer.

Já a caminho, sabe-se lá Deus, de onde, o pretendente começa a apresentar sintomas naturais de melhoras, ao que é questionado.

- O Senhor está se sentindo melhor?

- Sim, responde com um pouco de voz, o pretendente, eu sempre levo uns comprimidos antialérgicos comigo e tomei dois.

- Pois é, emenda Ana Lúcia, sem parecer escutar, depois de todo o esforço dos filósofos que antecederam e sucederam Marx, com grande esforço intelectual para voltar a sociedade para a elite e os escravizados, ainda temos esses seguidores com essas ideias.

Finalmente chegam às portas do Posto de Atendimento de Urgência.

Descem. O Senhor pretendente já se sente bem melhor, mesmo assim é examinado por um médico que, por precaução, aplica-lhe o antialérgico apropriado.

La fora, andando de um lado para outro Ana Lúcia, ensimesmada, sonda seus pensamentos “Cogito, Ergo sum”, sim, definitivamente Aristóteles/Descartes estava correto.

Pergunta a um passante:

- Concorda comigo, o senhor? Aristóteles/Descartes, estavam e continuam certos.

O passante olha para o local, Posto de Atendimento de Urgência.... Pensa, “cogita”:

- E a Senhora já foi atendida?


Conto de Eduardo Chiarini - publicado na Revista The Wolf Bard -Novembro de 2020

 

 

 

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